sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Diário de um Becadero, 2008/09 (parte 1)


Perspectivas.

Pela primeira vez este Outono acendi a lareira, automaticamente acercaram-se de mim pensamentos que guardava forçosamente adormecidos. O vento frio, esperado e aliado amigo que me trará a minha Dama para mais uma época, já sopra do lado certo!
Não só o frio que já se faz sentir, mas um ou outro relato de um pássaro visto aqui e ali, por um caçador de coelhos, ou um levante repentino numa montaria são o suficiente para se apoderar de mim aquele nervoso miudinho tão saboroso. Os telefonemas seguem-se, os amigos becaderos também eles atentos a todos os acontecimentos vão passando a informação, a net é agora nossa aliada, sites de meteorologia são agora seguidos diariamente, o tempo que faz na Rússia é mais conhecido por nós do que o tempo que faz lá fora na rua neste momento. É tempo de definir jornadas, de ajustar datas e horários, de inspeccionar as armas, trocar pilhas aos Beepers e ajeitar chocalhos.
Esta época, não sei o que esperar!? Ainda não me apercebi das minhas reais expectativas, sabendo que não será uma época fácil, as zonas e a maioria das jornadas estão marcadas, os cães estão bem. Este ano tenho uma cadela nova, a Uva, uma Pointer grande especialista em Galinholas, uma cadela que comprei por estas mesmas características, pois fazia-me falta um outro bom cão de Bicudas, estava demasiado “Faruckodependente” jornada que não o levasse, sentia que tinha deixado em casa algo tão necessário como a arma, o que fez com que caçasse com ele demasiado e também com que desse poucas oportunidades ao Frick, o mais novo. Penso ser algo natural quando se tem um cão melhor e mais experiente que outro.
Os telefonemas vão surgindo, o Baguinho anda já a mexer bem os cães, também ele se depara com o mesmo problema que eu, um cão excelente de Galinholas o Rafael e, outro mais novo que vai ficando em segundo plano.
O Jorge, ligou-me outro dia, andava no campo com os cães, sem arma, de fundo ouvia os chocalhos, aquele som mexe realmente comigo! Anda a mexer cães novos, pois a morte inesperada do Uster, deixou-nos desolados e a ele descalço, sem o seu cão de Galinholas, ele á semelhança de mim e do Baguinho, também era dependente de um cão. Agora é tempo de procurar soluções, de fazer um novo cão á sua altura, não será tarefa fácil, mas nas mãos dele outra “máquina” surgirá, como que vinda do além.
Alguns terrenos foram remexidos, algo que as Galinholas não costumam tolerar, alguns bons terrenos que fiz na passada época jornadas de sonho estavam agora alterados, outros, fui pessoalmente assegurar-me da sua pureza, felizmente que estão imaculados.
A época da Bela Dama curiosamente abriu no meu dia de anos, embora seja apenas o dia 16 o escolhido para a nossa abertura, marcada já com a devida antecedência, pois antes de dia 15 não nos fazemos ao campo, só, se por algum motivo elas se apresentarem em força antes disso.
Desta vez não quero falar em números, apenas espero lances tipicamente belos, capazes de me fazerem passa-los para o papel de uma forma digna, de me tirarem o sono e por muito tempo me fazerem sonhar com eles.
Confesso estar expectante, tenho mais uma cadela forte no pássaro, os terrenos os mesmos mas agora conhecidos, os amigos e companheiros de caça, esses, bem, mudam os cães, mudam as armas, muda muita coisa, mas esses são os de sempre, uns mais preparados, outros desfalcados, mas todos com um sentimento comum, a paixão avassaladora pelo pássaro.
Neste preciso momento ninguém se atreve a dizer, se será um bom ano, os tordos já aí andam em força, as narcejas e marrequinhas também já se apresentaram, uma ou outra galinhola mais apressada também já se mostrou, mas ainda assim não é suficiente para cada um de nós opinar e precocemente projectar toda uma época. Certamente que no intimo de cada um, paira essa duvida, ou em alguns mais velhos e experientes já uma meia certeza, no meu caso apenas uma pura e saudável expectativa, de que pelo menos me vou divertir com os cães!

Dama a quanto obrigas!

Não sei o que me deu, uma jornada marcada á geral e acabei por não ir, dando prioridade a sair para o campo sem arma e com a cadela, pois neste momento acho mais importante estas saídas ao campo, mesmo sem arma, do que uma ou outra perdiz abatida!
A volta até foi rápida mas importante e necessária, pois a Uva não caça de Beeper, algo que sinceramente não creio ser importante, dada a sua forma de caçar, pois é uma cadela extremamente ligada, como não tive outro cão assim! Movimenta-se muito bem em terrenos fechados, aliás é aqui que ela é boa, pois caçou muito neste tipo de terrenos, tojo e estevas não são problema, é contida de andamentos mas muito enérgica, de bom nariz e paragem firme, com uma característica muito própria, rápida a resolver quando em contacto com a caça, não engonha se tiver uma galinhola no nariz, rapidamente resolve e completa o lance com uma paragem muito bonita, a experiencia deu-lhe esta capacidade de autoconfiança necessária para bloquear o pássaro de uma forma rápida sem medo e acima de tudo eficaz.
Tenho muita fé nela, nunca me parou ainda uma Galinhola desde que a tenho, mas parou ao Jorge 5 na época passada e no curto espaço de tempo que caçou com ele, algumas comigo presente, apenas perdizes bravas e codornizes parou já nas minhas mãos.
Resolvi sair com ela neste domingo pela manhã, num local que domino bem, talvez até tivesse a esperança que lá estivesse um primeiro pássaro, não levava arma, mas levava a cadela e era tudo o que precisava para me divertir. A cada passo que dava observava em silencio o terreno, e despoletavam em mim memórias de outros anos, de outros lances naqueles terrenos, o chocalho na cadela fazia a banda sonora adequada aquela projecção de belas imagens que só eu poderia ver. Um pinheiro conhecido onde tive um dos mais belos lances, o montinho nos eucaliptos onde errei uma, o alto onde tive o mais belo lance de sempre, todos estavam lá, imaculados como que peças de um xadrez expectantes pelo outro jogador para dar inicio ao jogo.
A noticia da primeira abatida por um membro do grupo fez mexer com todos nós, uma simples mensagem de telemóvel com uma foto e sem uma única palavra, tinha dado azo a uma manhã agarrado ao telemóvel, primeiro com o protagonista que teve sem ser necessário pedir de contar detalhadamente o lance, depois com o restante do grupo, inevitavelmente este pássaro tinha mexido com todos nós, as projecções qual Zandinga vieram á tona, todos nos abrimos e deitamos cá para fora o que há bem pouco tempo não tínhamos a ousadia de dizer, “já estão cá, vieram mais cedo” foi o que mais se ouviu, mudou-se obrigatoriamente as datas de inicio da época, de 16, passou rapidamente para 9, as perdizes era já algo do passado!
Baguinho sem hesitação mudou a data e, ao seu género disse a frase do dia, “este ano o Jorge começou a descongela-las mais cedo!” um riso característico ouvia-se do outro lado, o Carlos esse engolia em seco assim como eu, pois tinha-mos gozado durante muito tempo com o Jorge por ele não ter um “CÃO de Galinholas” á sua altura, massacramos bastante e, ele já nos levava avanço, sinceramente era esperado! Felizmente não invejamos o avanço nem o que dizemos é com qualquer tipo de maldade, apenas faz parte do convívio entre amigos!
Vamos ver o que esta época nos reserva…


Mais paixão que convicção.
09/11/2008

Finalmente o tão esperado dia da abertura às Galinholas chegou, depois de uma noite mal dormida. A noite tinha sido demasiado longa, o pássaro ainda tem esta capacidade, de me fazer perder o sono qual miúdo pequeno com a ansiedade típica de uma véspera de Natal.
A hora combinada entre mim e o Baguinho era ás 7h no local do costume, infelizmente já lá estavam 2 caçadores de coelhos, conversando entre si enquanto eu me ia preparando e, ao mesmo tempo esperava pelo companheiro, atrasado devido ao nevoeiro. Entre um ou outro ladrar de um podengo ouvi algo que me animou bastante, “sabes na quinta feira um rapaz errou aí uma Galinhola” era tudo o que eu queria ouvir, a mensagem foi passada logo por telemóvel ao Baguinho, talvez isso o apressa-se mais um pouco, mais um carro com 2 Coelheiros começava a tirar-me do sério, era apenas aquela ansiedade típica de abertura a falar mais alto.
A manhã estava linda e convidativa a uma jornada ao pássaro, tivemos por bastante tempo a companhia agradável do nevoeiro, que dava uma cor cinzenta e sinistra ao pinhal.
Começamos a jornada pelo local de sempre, Baguinho à esquerda e eu à direita, tudo voltava de novo, os cães do companheiro Rafael com Beeper e chocalho e Duke só de chocalho, o meu como sempre sem Chocalho mas com o Beeper, assim começamos a bater terreno todo ele muito duro, plainas e safão ali fazem sempre parte da indumentária, o tojo a isso obriga, imagine-se os cães limpos de acessórios, vestidos apenas com o que vieram ao mundo, dureza pura, ali a paixão suplementa a dor!
Pouco depois ouço um “olhaaa”, que se escapara levemente da boca do Baguinho, indicando a ele próprio a certeza de um primeiro pássaro. Virei-me e vi uma imagem unica, no meio do nevoeiro vejo um vulto, uma silhueta de uma Galinhola a voar á frente do Duke que vinha a fazer o rasto dela, pouco depois vejo-a cair, aí estava a primeira da época vista e a primeira da época abatida pelo Baguinho, cobrada pelo Faruck a pedido do Companheiro, pois os cães não estavam a dar com ela, seguiu-se um aperto de mão característico selando dignamente o lance e, a observação detalhada da ave, pequena, de média idade e bastante magra, normal em Galinholas de entrada que acabaram de fazer 4.000 ou 5.000 km.
A jornada seguia, esta galinhola ao abrir do pano deu-nos alento e expectativas, pois poderiam estar lá mais uma ou outra.
A jornada de igual apenas tinha a dureza do terreno, duríssimo a cada passo que dávamos. Mais á frente vejo o Faruck a fazer um rasto muito compenetrado, aquela cauda a dar daquela maneira fazia-me lembrar algo conhecido, acerco-me e ele fica parado, o Beeper toca, os corações despertam, mas nada, o que ali estava já tinha saído, talvez um coelho quem sabe.
Um ou outro mato mais alto em terrenos todos eles muito iguais aguça-me a imaginação, o cão esse sabe bem o que estes matos significam e sem o mandar entra e passa tudo qual aspirador a pente fino, limpa todos os cantos com aquele nariz potente, mas nada, é demasiado cedo, apenas a paixão de caçar alimentada por abates e vislumbres de companheiros nos últimos dias antecederam a abertura.
As horas iam passando, eu qual cego, perdido naquele pinhal envolto em nevoeiro, apenas guiado por Baguinho que, qual guia turístico dava-me a historia detalhada do local a cada mancha que fazia-mos, “este é o local do salto de peixe” “este o daquela errada”, “aqui foi onde lhe levantaram as duas”, para nós ali não há nomes próprios, cada local tem a sua historia e um pormenor mais significativo de uma ou outra jornada dá-lhe o nome de baptismo.
Depois já perto do carro, vejo o Faruck fazer um rasto, o Baguinho vê o memo que eu, o Beeper toca, corremos os 2, depois impróprio para cardíacos, sai um melro, olhamos um para o outro e sorrimos.
Era hora de ir embora, os cães após 6 horas em terrenos daqueles estavam exaustos e doridos, apenas um pássaro abatido pelo companheiro, merecidamente, pois “era dele” aquele pinhal e, para lá estar apenas uma ave, é justo que seja ele a abate-la, outros dias com mais pássaro chegarão, para primeira jornada tão precoce até nem foi mau.