A
manhã ao contrário do que tenho vivido nos últimos tempos amanhecia quente e
seca, água, muita no chão e nas estevas completamente encharcadas. Não pude
deixar de reparar que o clima anda estranho, as estevas apressadas já vão uma
ou outra abrindo em flor, calma pensei eu, deixem-me disfrutar e depois lá têm
todo o tempo do mundo para colorirem os campos.
Saí
com o Don, como sempre de chocalho e beeper, sem rumo certo pois não sabia de nenhuma
galinhola para visitar, pois bem, o melhor nestes casos é mesmo caçar em
terrenos não pisados, foi o que fiz!
O
Don, cabeço a cima, cabeço a baixo num ritmo forte, os terrenos molhados e
muito empapados dificultavam-me o andamento mas parecia que ao Don nada o
impedia de galopar.
Numa
zona de pouco mato e como é típico no Don, deita-se de repente interrompendo o
seu galope de forma abrupta, acerco-me do cão, ele guia e fica novamente em
mostra, sai a dar ao rabo indicando que ali estivera algo há pouco tempo. Segue
então para a esquerda, eu, olho à direita e no limite da mancha vejo 2
chaparros com uns matos pelo meio, chamo o cão que, rapidamente faz calar o
chocalho e cantar o beeper, os quartos traseiros em terra, cabeça ao alto, a
boca abria e fechava sorvendo o perfume da Dama tão compassadamente que mais parecia
um relógio suíço, lindíssimo, uma imagem que me irá vaguear por muitos anos na minha
mente, meti-me de frente ao cão, os chaparros ficavam um à direita outro à
esquerda, o beeper não se calava, até que o pássaro sai, não estava a mais de
metro e meio do cão, tentava sair para cima mas embrulhava-se no mato, eu
esperava que ela se desenvencilhasse dos matos que a agarravam tentando serem eles
senhores do lance, lá sai e roda para cima do cão já a tapar-se com o sobreiro
da direita atiro e ela tomba, o cobro e a adrenalina lá em cima, tremia,
confesso que tremia no final do lance, largos segundos não sei precisar
quantos, de pura adrenalina.
Pouco
mais à frente numa zona de estevas ouço o beeper tocar, rapidamente corro a
servir o cão, sem grande espera a galinhola sai sem me deixar colocar bem,
erro-a no primeiro deixando por instantes de a ver, num dos seus zigue zagues
destapa-se por momentos, mostrando-se e aí consigo atirar, sem saber se a tinha
abatido mando o cão cobrar, pouco depois aí vem o Don com ela ainda viva, um
sorriso rasgado uma festa ao cão e mais um pássaro na bolsa.
Continuo
em busca de novos terrenos, numa mancha pequena vejo uma zona com muitas
condições, de fora da mancha o Don pára virado para dentro, acerco-me do cão,
posiciono-me e nada, dou um passo ao lado e piso inadvertidamente uma garrafa plástica
velha e seca, o barulho é enorme, o cão desvia o olhar sem mexer a cabeça, mas
não sai nada, até que um pá pá pá, aí estava mais uma a encastelar, dei um
passo atrás para a abater quando ela subisse acima das árvores e se mostrasse,
engano meu, como são inteligentes estes pássaros, ela subiu arvores acima,
sempre encoberta e em vez de se mostrar acima da copa das arvores, rodou e
desceu novamente afastando-se sem sequer ser atirada, foi mais forte, muito
mais, o Don ainda a parou mais duas vezes mas aí já ia de levante e nunca
consegui meter-lhe a vista em cima, lá fica mais uma para a próxima.
Esta
foi mais uma emocionante jornada, caçar com o Don é algo de sobrenatural, as
sensações vividas são quase sexuais de tão intensas que são, a beleza e
subtileza nos lances são inacreditáveis, apenas os pequenos filmes que tentarei
fazer darão cor e credibilidade às minhas palavras que, de outra forma e para
quem não me conhece podem não passar de histórias fruto da mente de um louco
alucinado pela caça e apaixonado pelos seus cães.
A
caça às Galinholas é algo muito íntimo, cada lance vivido é compartilhado
tantas vezes apenas com o nosso cão, cada lance merece e carece de uma
posterior introspecção e reavaliação, cada lance é revivido vezes sem conta,
cada pássaro errado volta para nos assombrar a mente e assolar com pensamentos
maquiavélicos. Quantas vezes pensaremos nele, quantas vezes reviveremos o
lance, quantas estratégias maquinaremos de forma a tentar numa futura jornada
dar-lhe a volta e levar a melhor naquele embate que ainda estou para perceber
se é ou não equilibrado.