A viagem como sempre era longa, desta vez um pouco mais que o costume, levanto-me de madrugada, os cães quando me sentem despertam, é um enigma que não sei explicar, nos dias de ir para o trabalho também cedo ainda de noite por estes dias de Inverno, nenhum deles sai da casota, em dias de caça, vá-se lá saber porquê todos eufóricamente se mostram, como que num misto de desespero e esperança que sejam os escolhidos para essa jornada, pois bem, desta vez calhava em sorte à Íris, talvez para a compensar de a ter inibido de caçar no domingo passado por causa do meu receio dos javardos.
A viagem é feita de noite ao som do rádio, sem noticias, estes momentos são meus, só meus, quero distanciar-me do mundo e entrar num mundo somente meu, onde têm lugar apenas os cães e a natureza, entramos em estrada de terra batida, a Íris desperta, dá os primeiros sinais de impaciência, os Piscos levantam à minha passagem, frio, muito frio faz com que os Tordos mais madrugadores dêem sinal, ouvem-se as primeiras perdizes, um a um os chocalhos das vacas começam a cantar, a Lua redonda e enorme teimava hoje em ficar até mais tarde, como que cumprimentando o Sol, olho para os lados pensando por onde começar, botas, safões e colete, por esta ordem e estou pronto, solto a cadela, indecisa se estica as pernas ou se, se empoleira em mim para lhe meter o beeper, escolhe a segunda opção, a Paixão fala mais alto que a necessidade, enquanto depois ela estica as pernas eu calço as luvas e pego nas espingarda, agora sim, estou pronto.
O terreno é imenso, duro, desconhecido, muito dobrado e com muito mato, começamos a nossa demanda, há medida que o tempo passa, vamos ficando impacientes, nem um toque, nem um levante, apenas um bando de perdizes que a Íris mete à minha mercê, bonitas e bravas, fizeram-me cravar as unhas ao fuste a cada passo felino da cadela, uma vez mais tinham-me enganado, mas estas não valiam, tinham o bico demasiado curto e vermelho, procurávamos algo diferente.


A Íris talvez pensasse de outra maneira, pouco mais de meia hora e faz cantar novamente o beeper, não via a cadela, estava num barranco, apenas ouvia o beeper, quando ouço a Galinhola a bater asas com vigor, dando tudo por uma fuga, a encastelar, bico virado ao Sol, linda, mostrou-se toda por entre os ramos dos pinheiros, eu ainda estava a alguma distancia mas ainda assim faço um tiro, não lhe toco creio eu, mas ela ficou surpreendida, pois não me tinha visto nem estava a par da minha presença, tinha rodado para a esquerda, a Íris rapidamente dá com ela na extrema da mancha, aí sim, já consigo servir convenientemente a cadela, saiu para o sujo, atiro e ela dá duas voltas no ar, mando cobrar, e cobrar e cobrar, e nada, estranhei, a Íris que cobra exemplarmente não encontrava a Galinhola, uma vista de olhos mais aprofundada e, ali estava ela, viva em cima dos ramos de um pinheiro manso, estiquei-me para a alcançar com a ponta do cano, mandei-a ao chão, assim que pisou terra desata a fugir, pensei, "já foste" mas a cadela depressa dá com ela e traz-ma à mão, estava radiante, pois uma manhã difícil e dura tinha dado os seus frutos, a Íris uma vez mais tinha cumprido e eu, também uma vez mais tinha relembrado que, isto das Galinholas só acaba no fim.