sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Um dia roubado aos sonhos.


A convite de um Amigo do Pedro fomos caçar num couto associativo, terrenos lindíssimos onde as estevas uniam os sobreiros, terreno dobrado e de bom aspecto. Numa primeira mancha saí com o Veron, apenas um único pássaro que levantou por si só sem sequer o cão perceber, mas que eu consegui vislumbrar, e que infelizmente não demos com ele, de reter para sempre o magnifico trabalho do Veron, com uma sequencia de guias e paragens, a roubar caminho à ave, até que de uma forma plástica a para a tiro numa zona de estevas, infelizmente sai uma Perdiz, genuinamente Brava mas uma perdiz, o bico era curto o suficiente para não ter atirado, fiquei maravilhado com o trabalho do cão, revela-se jornada a jornada, a margem de progressão é enorme, está-se a fazer no Setter que sempre sonhei!
Noutra mancha, mais fechada, dura e complicada, mais ao jeito do Faruck, terreno dobrado que dificulta a aproximação ao cão e ao lance, cabeço após cabeço, ia comentando comigo próprio e por vezes com o Pedro, que aqui tem de haver Galinholas, tem de haver, ele sorria abanando a cabeça, pois não era difícil de perceber isso, chegando-me a dizer, “aqui até eu as paro!”.
No meio de terrenos tão fechados, pelo desenrolar da jornada, levados pelo instinto ou puxados por um lance do cão, fomo-nos aos poucos separando, ouço o primeiro tiro, o Pedro tinha feito o gosto ao dedo pensei para comigo, continuei concentrado, até toda a minha concentração ser abalada pelo que mais espero, ouvir o Beeper, estupidamente ia ao telemóvel, não conseguindo acercar-me do cão convenientemente, meto em alta-voz e segurando o telemóvel com os dentes enquanto reservava as mão para a arma, acerco-me o mais que posso do cão, vejo a galinhola a sair, erro-a, não estranhei mas erro-a, do outro lado o meu sogro que, qual relato da rádio ouvira todo o lance, expectante pergunta-me , “ então, então, mataste-a?” ofegante repondo, não, não consegui!
Era tempo de dar descanso ao telemóvel, era tempo de caçar não de falar, mas as tecnologias têm destas coisa.
Pouco depois um novo pássaro parado, que sai sem hipótese de tiro, pois não consigo lá chegar a tempo, o terreno é complicado de andar para caçadores, ainda fizemos mais 3 levantes a este pássaro, que nunca me deixou sequer chegar perto.
Novamente um tiro do Pedro, seguido de um típico telefonema, dizendo que tinha já 2 cobradas e relatando os lances.
O Faruck parecendo perceber como que de algum jeito a minha frustração, resolve então fazer uma daquelas jornadas somente ao alcance de grandes génios nesta disciplina, pássaro após pássaro, os lances iam-se sucedendo, o Beeper cantava e cantava, um dos lances vejo o cão parado, num espaço rectilíneo aberto nas estevas consigo desta vez ser mais rápido e acercar-me do cão, posicionando-me bem e esperar calmamente pela saída da Galinhola, abatida ao primeiro tiro, tremi, confesso que tremi, após tantos lances sem sucesso devido às condições do terreno estava a desesperar.

Novamente e sucessivamente tudo se repetia, o cão a parar, o beeper a tocar e a dificuldade de me acercar do cão e inevitavelmente as Galinholas a saírem sem eu poder atirar.
Outro lance deu-se numa meia encosta, onde o cão faz um rasto, eu não liguei muito, confesso que não acreditava, o cão segue pasto fora e fica parado, saído uma Galinhola, não queria acreditar que tivesse uma Galinhola naquele terreno, vejo-a voar para o cabeço em frente, disse para o cão, bem vamos ver dela? Que, parado de pescoço erguido olhava e controlava a trajectória da Galinhola.
Cabeço a cima, cabeço a baixo, batia o terreno em “Z” pois não sabia onde ela estava, até que o Beeper toca de novo, junto a uma aberta, debaixo de um velho sobreiro que apreciava todo o lance, estava o cão parado, eu como tanto gosto meti-me de frente ao cão, o beeper tocava incessantemente, o pássaro sentia-se apertado entre os dois não querendo levantar, antevendo o que passaria se o fizesse, o lance durou eternos segundos que não sei quantificar, de frente para o cão deu para ver o ar alucinado com que fica parado com uma galinhola, alheio a tudo, em transe, num momento só dele roubado um pouco por mim e num outro mundo que não o nosso, onde não conseguimos sequer imaginar o êxtase de sensações que percorrem aquele corpo, olhos vidrados, a boca abre e fecha ligeiramente com uma precisão suíça, tudo é controlado, o olhar, a respiração, até que tudo por magia se desfaz e ele volta à terra ao levante da Galinhola, abato-a ao primeiro cobrada alegremente pelo cão. Não sei descrever melhor este lance, não consigo descrever melhor, liguei imediatamente para casa, onde a Vanessa me diz, “tens a voz a tremer, o que se passa, outro momento daqueles!?” não vou esconder, vivi um dos momentos da minha vida, sentia-me, sentia-me, não tenho palavras, quem viveu destes lances sabe como se sente um Homem num momento destes. Ainda me consigo sentir assim a cada lance de Galinholas, mas há alguns especiais que nos levam daqui.

Encontro o Pedro, que parecia desanimado com os seus 2 pássaros, queria mais, mais lances, está a ficar viciado nesta espécie de droga, como um viciado, necessita de mais, mais lances, de sentir mais vezes a adrenalina, digo-lhe então chega-te a mim que o Faruck está possuído, dito isto mais um lance e abato a terceira.
Este dia foi decididamente roubado a um dos meus melhores sonhos, diga-se a verdade, tenho uns sonhos férteis em Galinholas e este dia superou qualquer sonho!